quinta-feira, julho 20, 2006

Vacinas e demónios.....

- É a tua vez de levar a moça à vacina. – diz-me a minha mulher.
- Está bem, mas vem comigo porque assim vamos logo de seguida para o trabalho. – respondo eu.
- Não.....preciso de ficar aqui a arrumar umas coisas. Vai e depois vêm-me buscar. – diz ela, fingindo que estava muito atarefada.
- Há alguma coisa que eu não saiba? – pergunto eu à nossa filha, a caminho do Centro de Saúde.
- Sobre o quê?
- Sobre isto de tu ires levar uma vacina.
- Vou levar uma vacina? A mãe disse-me que eu ia só para te fazer companhia e que tu ias arranjar uns papéis. Dói-me a barriga. Quero ir para casa.- começa ela a gritar.
- Moça. Tem lá calma. Não me vais fazer passar vergonhas, pois não?
Entro no Centro de Saúde com a minha moça totalmente possuída, a espernear, aos berros e a dizer asneiras (se calhar tenho que ter mais cuidado com os desabafos que faço sobre o emprego, quando a minha filha está presente).
- Enfermeira Josefina, está aqui a Rita para a vacina. – grita a pessoa que está a atender, assim que nos vê, passando-nos para a frente de todos.
Chega a enfermeira Josefina.
- Ai. Já está assim? – diz ela, mal nos vê - Ainda não chegou nenhuma das estagiárias? – pergunta à administrativa.
- Não, mas olhe que não sei se elas conseguiriam lidar com isto sozinhas. – responde-lhe ela.
- Têm que aprender a lidar com tudo. – responde a enfermeira.
- Têm sacos de gelo para as minhas partes baixas? – grito eu, mas baixinho, depois de um dos vários pontapés descontrolados me acertar.
- LARGUEM-ME CAMBADA DE %$#&$. – grita o ser demoníaco que se apossou da minha filha.
- Esperem. A enfermeira Maria nunca deu uma vacina à Rita. Vou chamá-la.
- Importam-se de deixar de dizer a palavra vacina? –grito eu, baixinho, enquanto tento amarrá-la a uma cadeira e começo a pensar em ir buscar água benta.
Chega a enfermeira Maria.
- Então? Uma menina tão bonita e a fazer um escândalo destes? Como te chamas? – pergunta-lhe a enfermeira Maria.
- NÃO QUERO VACINA. QUERO A MÃE. QUERO IR PARA CASA. LARGA-ME $%&$. – grita o pequeno monstro.
- Queres levar mais palmadas no rabo? – pergunto-lhe eu. – Chama-se Rita. – respondo à enfermeira Maria.
- RITA. Esta é que é a Rita?- grita ela incrédula. – Josefina, anda cá se faz favor. – grita ela para a enfermeira Josefina.
- Não vou nada. Tu nunca deste uma vacina à Rita. Calha a todos. Para além disso o meu filho, para o ano, vai para a mesma turma que ela. – grita a enfermeira Josefina de dentro do seu gabinete.
A enfermeira Maria suspira fundo e manda-nos entrar. Depois de alguém levar para os seus lugares normais a carrada de cadeiras, que a nossa filha trouxe de arrasto, lá começamos a tentar comunicar com o ser demoníaco.
- Olha. Tenho aqui um spray mágico que vai fazer com que tu não sintas nada. – diz-lhe a enfermeira Maria.
- E o pai tem aqui mais palmadas para o teu rabo, se continuas assim. – digo-lhe eu.
- TU ÉS A MÃE DA CAROLINA, NÃO ÉS? – pergunta ela à enfermeira, num tom que me fez lembrar o filme o exorcista. – E TU PODES CONTINUAR A DAR TODAS AS PALMADAS QUE QUEIRAS PORQUE NÃO ME DOIEM NADA.- diz-me, ficando no ar um estranho e assustador cheiro a enxofre. Depois pensei no que tínhamos jantado na véspera (comida vegetariana que eu baptizei de provocagasesmalcheiros) e fiquei mais descansado.
Bom, após um enorme esforço para a imobilizar, lá se consegue dar a vacina, depois de mais umas asneiras, o seu corpo volta devagar ao normal.
- Então? Já passou? – pergunta-lhe a enfermeira Maria – Doeu assim tanto?
- Não. – diz a nossa filha fungando e enxugando as lágrimas.
- Vá. Para tu não ficares triste comigo, dou-te este relógio que temos aqui para dar a pessoas especiais. – diz-lhe a enfermeira ao mesmo tempo que lhe passa para as mãos um relógio de pulso digital de uma marca qualquer de medicamentos.
- Obrigada. – agradece ela enquanto se dirige para a saída. Antes de fechar a porta volta-se para trás - Manda um beijo meu à Carolina. – diz-lhe, com um sorriso maquiavélico e girando a sua cabeça de forma estranha.
- Quando é que começas a tratar da educação religiosa da moça? – pergunto eu, o ateu, à minha mulher quando chego a casa, ao mesmo tempo que me dirijo ao quarto para vestir algo que não esteja rasgado.