sábado, julho 10, 2004

Os prazeres de ter uma filha…..

Sempre esperei que o meu primeiro filho fosse um rapaz, tinha esperanças de poder ter com ele brincadeiras que o meu pai nunca teve comigo (jogar à bola, lutar, comer doces à escondidas da mãe, na sua adolescência sair com ele para conhecer gajas boas, etc.) assim fiquei um pouco desiludido quando ficámos a saber que íamos ter uma menina. Mas lá me conformei. Nos primeiros tempos foi complicado, pois começou logo com as manias de mulher, sempre que não se faziam as coisas à sua maneira era um berreiro, logo aí reparei que tinha herdado os piores genes da mãe, mas não esmoreci, nem mesmo quando, mais tarde, começou a dizer as suas primeiras palavras e estava constantemente a chamar-me mmãããããã… (e a minha mulher achava-lhe imensa piada, buuuffff). No meu intimo sabia que dentro dela se estava a desencadear uma luta de genes e sabia que os meus genes eram pacientes, por isso não estranhei quando começamos a notar uma mudança de comportamento, lembro-me perfeitamente do dia em que reparei pela primeira vez essa mudança. Foi perto do seu primeiro aniversário, até aí ela comia toda a comida que a mãe lhe fazia sem barafustar (o que obviamente não era normal) a partir daí começou a fazer caretas sempre que a mãe vinha com a papa por ela feita. Sorri para dentro e pensei, aí vêm eles. Com o tempo foram-se sobrepondo aos genes da mãe (não a todos porque há uns que são invencíveis) e começou a extraordinária construção de uma personalidade espectacular. Agora com três anos, sou, para ela, o herói, o melhor, o modelo a seguir, todas as minhas opiniões são leis, as minhas ordens são automaticamente encaradas como seus desejos. Não há nada comparável à sensação de chegar a casa depois de um dia de loucos no trabalho (onde só apetece é dar uma valente tareia à cambada de incompetentes e irresponsáveis que pensa que ter um emprego é só para ganhar dinheiro ao fim do mês e o resto são tretas) abrir a porta e ver aquela maravilha a correr para os meus braços a dar-me uma abraço fortíssimo, ou então quando, depois da mãe lhe contar a história (aí tem mesmo que ser a mãe) e quando lhe estou a dar o beijo de boas noites, ouvir da boca dela: “Gosto muito de ti.” É o suficiente para encarar o outro dia com força e vontade de continuar a lutar contra aquilo que parecem moinhos de vento. O que mais me fascina nesta sua fase é o seu gosto musical, passo a explicar: a mãe tem o péssimo hábito de acordar sempre bem disposta, eu pelo contrário, sempre que acordo sinto-me como se estivesse num combate de boxe em que o juiz está a contar o tempo para eu me levantar do tapete….7,….8….. e lá tenho eu que fazer um esforço para me levantar antes do 10, daí resulta que preciso sempre de uns bons 15 a 20 minutos para sair do mundo dos sonhos e não há nada mais irritante que estar nessa fase e ouvir uma galinha tonta aos pulos pela casa a cantar e a chatear-me, “Então não acordas? Olha como o tempo está bom…Hoje só dão 39º de temperatura…Vai estar quentinho…” Tento não responder porque senão já sei que vai dar discussão, mas penso: “Que bom, sempre desejei morar dentro de um forno…hoje talvez dê para levar os sapatos sem que as solas de borracha derretam.” “CALA-TE, TU CANTAS MAL”, ouve-se do quarto dos fundos, a minha alma gémea acordou a refilar e sempre tão bem disposta como o pai. “Filha, não sejas como o teu pai, a mãe não gosta e a mãe canta bem.” Diz a mãe com ar triste. “NÃO CANTAS NADA. O PAI É QUE CANTA BEM. NÃO É PAI? CANTA LÁ PARA A MÃE VER.” Bom, perante este pedido o que posso eu fazer, com a minha voz ainda mole com o sono começo a cantarolar algo que me venha à cabeça e que obviamente mais parece um grasnar de um corvo. “VÊS MÃE COMO O PAI CANTA BEM.” Como eu a adoro.