quinta-feira, novembro 25, 2004

A minha vida de casado em blocos.....

Estive a rever o filme “Era uma vez um rapaz...” e vi lá algo que me fez pensar: a personagem principal, às tantas fala dos seus dias como blocos de tempo. Fez-se uma luz em mim. Porra, também posso dividir o meu dia a dia da minha vida de casado em blocos de trinta minutos, os quais passarei a explicar:
1º bloco de trinta minutos- o tempo que ela demora a correr assim que se levanta. Como sei com exactidão o tempo? Fácil, porque acordo com o bater da porta da rua quando ela sai e volto a acordar (meia hora depois) com o bater da porta da rua, quando ela chega.
2º bloco de trinta minutos- o tempo que ela demora a tomar banho e a vestir-se. Como sei mais uma vez o tempo? Porque as ondas sonoras que saiem da casa de banho fazem-me olhar constantemente para o relógio desejoso que a tortura termine rapidamente.
3º bloco, o tempo que ela demora a tomar o pequeno almoço, há que fazer o chá, o seu café, a sua mixórdia de água com limão, o seu sumo, as suas torradas, e depois tratar de comer tudo com a maior das calmas, não interessando o atraso que possa já existir.
4º bloco- Sair de casa e chegar ao emprego. Implica ir pôr a nossa filha à escola, ralhar comigo por não ter engraxado os sapatos da filha (sobre os meus, há uns anos que desistiu de me chamar a atenção) fazer arranjos de última hora em relação a toda a toilette da nossa filha: verificar se todos os cabelos estão no sítio certo, se a roupa está imaculada e sem nódoas de pasta de dentes que eu tento disfarçar com água, limpar com a sua saliva os restos de pasta de dentes e/ou a remela que o “porco do pai” não limpou (eu confio no poder dos óleos naturais que o nosso corpo produz para a nossa limpeza) e tirar todas as rugas que a roupa possa ter. O que importa se, de seguida, a moça vá a correr brincar para a caixa de areia? O pouco tempo que depois resta, é para a nossa deslocação até Beja, onde, sempre que é ela a conduzir, tenho que ficar calado a viagem toda, porque senão tiro-lhe a sua identidade???? Assim, passo o tempo a olhar para o lado tentando não ligar aos gestos e ao salivar compulsivo que os condutores dos outros carros fazem sempre que ela os está a ultrapassar. (nota mental: aumentar substancialmente o valor do meu seguro de vida)
5º bloco: o tempo que demoramos a chegar a casa desde que saímos do emprego e até chegarmos a casa. Aproveito o trajecto, sempre que é ela a conduzir, para dizer adeus a algumas caras raivosas que volto a encontrar no caminho, enquanto lhes mostro um papel onde tenho escrito: “Não tenho qualquer responsabilidade pelo sucedido. Eu já sou castigado o suficiente. EU VIVO COM ELA.” A partir do momento em que passei a usar esta escrito colado no vidro, passaram-me a fazer o sinal de cruz.
6º bloco: o tempo que ela demora a combinar com a nossa filha o que fazer até à hora do jantar.
7º bloco: o tempo que demora a tentar convencer-me a ir sei lá aonde com elas.
8º bloco: o tempo que estamos fora de casa, muitas das vezes obrigado devido ao uso da chantagem.
9º bloco: o tempo que demoramos a jantar, sem a televisão ligada, porque somos uma família onde se fala ao jantar. O que eu gosto quando ela diz à nossa filha para contar o seu dia e ela responde: “Não digo e ponto final.”. É óbvio, a mim também me chateia ter que lhe contar pela décima vez o meu dia e saber que não estou a ver o noddy.
10º bloco: o tempo que ela demora a arrumar a cozinha (antes que as feministas venham para aqui ofender-me vão ler o post sobre a troca de tarefas)
11º bloco: o tempo que ela demora a convencer a nossa filha a ir para a cama.
12º bloco: o tempo que ela demora a deitá-la (lavar os dentes; vestir o pijama e contar-lhe a história).
13º bloco: este depende dos dias. Se lhe estiver a apetecer ver um filme, é o tempo que demora até ficar pronta para ver o DVD. Sim, porque tem que fazer o chá e principalmente (o que demora mais tempo) procurar os seus óculos que estão vá se lá saber aonde. Depois há que ir buscar uma manta e umas almofadas, fazer uns contorcionismos que lhe permitam colocar as almofadas por baixo dos pés, e ao mesmo tempo pôr a manta a tapar todos os recantos do seu corpo, o que geralmente, só a partir da quinta tentativa é que consegue, mas aí lembra-se que se esqueceu da chávena de chá e/ou do copo de água na cozinha. Assim, e como entretanto já adormeci no sofá com a espera, lá vai ela buscar o que se esqueceu e lá recomeça novamente a sua ginástica. Finalmente acorda-me e lá vemos o raio do filme. Caso queira apenas ver a TV, o processo é semelhante, mas acrescenta-se o facto de não me deixar sossegado com perguntas sobre coisas do trabalho. Isso dura até ela se aperceber que os meus hummsss e hãhãss afinal apenas indicam que não a estou a ouvir.
O 14º bloco é o tempo que ela demora a vestir o seu pijama, a lavar a cara e os dentes, e a pôr os cremes antes de ir para a cama.
O 15º bloco é o tempo que ela demora a ler na cama.
O 16º bloco é o tempo que ela demora a preparar-se para dormir, o que implica pôr a merda da almofada para os pés, e isso implica desmanchar a cama quase toda e depois refazê-la, ligar o despertador e o alarme do telemóvel, pôr os tampões nos ouvidos, não sem antes me dizer que se apanhar alguma infecção nos ouvidos a culpa é do meu ressonar, e finalmente, dar uma série de voltas na cama puxando todos os cobertores para si e fingindo que não quer sexo.
17º e último bloco: este é o bloco mais intimo e o que mais nos aproxima durante todo dia. Trata-se de um bloco só nosso. Pelo menos, é o que eu me tento convencer assim que dou um salto, logo que sinto os seus pés gelados em cima de mim, e lá os suporto durante meia hora, até que ela os sinta quentes.