terça-feira, novembro 02, 2004

O dia da ida aos bolinhos…..

Na terra onde cresci (no Ribatejo) existe a tradição de, no dia 1 de Novembro os miúdos irem aos bolinhos. Como não quero que haja tradições (e bolos) que se percam, combinei com a nossa filha agarrar num saco e irmos correr a vizinhança em busca de coisas doces. Lembro-me que em puto, ia com os meus primos fazer o mesmo. Quando as pessoas não nos queriam dar bolos (o que obviamente era contras as regras estabelecidas) fazíamos um sinal para o meu primo mais novo, o qual tirava do coldre a sua pistola de água e ensinava às pessoas que não era de bom tom não respeitar as tradições. O facto de pormos sumo de limão na água e o facto do puto ter uma pontaria espectacular para os olhos, fazia com que nós nos sentíssemos como padres inquisidores a atacar hereges. O problema era quando chegávamos a casa e tínhamos a santa sé em peso à nossa espera para nos dar com um valente auto de fé.
Continuando. Hoje acordámos cedo. Bom, o acordámos é uma figura de estilo, sim, porque a moça ainda funciona à hora antiga e o raio do seu despertador só funciona ao fim de semana. Porque que é que os moços pequenos, embora não saibam os dias da semana, tem um sistema interno que lhes diz que é fim-de-semana e que por isso DEVEM de acordar mais cedo do que durante a semana? (onde fazem birras sempre que temos que os acordar) De qualquer forma, acordado ou não, lá tive que me levantar para ir aos bolinhos. Saímos, cada um de nós com o seu saco, e começámos a ir aos vizinhos pedir os bolos. A coisa até começou bem: “Aí que menina mais bonita a pedir bolinhos. E o pai, que querido a ajudar a filha. Toma.” E pumba, toca de enfiar broas e chocolates para dentro dos sacos. No entanto, existem ainda alguns cujo sumo de limão não deixou grandes marcas: “Ai, que queridos. Esperem que vou buscar umas laranjas.” LARANJAS, mas que merda é essa. Se quiséssemos dessas porras tínhamos ido a casa da minha sogra. “Mas laranjas não são doces.” Disse a nossa filha. “As minhas são muito docinhas.” Continuou ela. “Ó filha, isso não se diz.” Disse eu enquanto pensava: “Pelo menos só uma vez.” “Mas a tia disse para só aceitar ou bolinhos ou dinheiro.” Continuou a nossa filha a defender-se. Escusado será dizer que saímos de lá com a merda do saco a abarrotar de laranjas, que ficaram a ocupar o espaço destinado ao que de bom existe na tradição doceira da minha terra de origem. Felizmente encontramos outros putos que andavam no mesmo, e consegui convencê-los do alto valor monetário das laranjas, comparando com o dos doces (o consumismo para o qual a televisão apela tornou-me as coisas mais fáceis) E assim, acabamos com parte da concorrência e ainda trocamos as laranjas por alguns bolos (não muitos porque conheço as mães dos putos e não queria ficar mal visto). Continuámos a nossa ronda e como resultado conseguimos arranjar uma bela maquia de bolos e de dinheiro. Como o dinheiro não tem grande valor para a nossa filha, fizemos uma troca justa: Eu fiquei com o dinheiro e ela ficou com os bolos. É óbvio que fiquei a ganhar com o negócio, até porque depois de três bolos ficou enjoada e tive que fazer um esforço enorme para comer os restantes, porque todos sabem muito bem que, se os bolos não forem comidos logo, degradam-se rapidamente.
Agora estou com uma pequena indisposição, e embora a minha mulher me diga que é do excesso de bolos comido, eu tenho para mim que a causa resulta de uns bolos que uma das minhas antigas vizinhas me deu, ao mesmo tempo que dizia “Estes são especialmente e unicamente para si.” Agora que penso nisso, ela foi uma da massacradas com o sumo de limão. Porra, as cólicas estão a piorar. Tenho que terminar por aqui, mas não sem antes vos garantir que, para o ano, a pistola vai entrar em acção para ela aprender que as vinganças são coisas muito feias.